Lisboa (1)
por trás dos muros da cidade
no seu coração profundo de alicerces
de argilas e de sísmicos arroios - cresce uma voz
que sobe e fende a brandura das casas
da escrita dos inumeráveis povos quase
nada resta - deitaste-te exausto na lâmina da lua
sem saberes que o tejo te corrói e te suprime
de todas as idades da europa
mais além - para os lados do corpo - permanece
a tosse dos cacilheiros os olhos revirados
dos mendigos - o tecto onde um navio
nos separa de um vácuo alimentando a soro
plátanos brancos recortam-se recortam-se luminiscentes no olhar
de quem nos olha contra um céu desesperado - jardim
de íris alucenas palmeiras cobertas de rocio
a ponte que nos leva aos campos do sul - lisboa
lugar derradeiro do riso
que já não te pode salvar do cemitério dos prazeres
e morres
carregado de tristezas e de mistérios - morres
algures
sentado numa praceta de bairro - o olhar fixo
no inferno marítimo das aves
Lisboa (2)
desejaste um país de silêncio
de chuvas salgadas - sem caminhos nem sonhos
tiveste um país sombrio
onde a realidade devorou o delírio e
ficou desabitado - este país nocturno que geme
contra a solidão do corpo - perguntas-te
que espécie de lume cospem os cardos?
caberá o mar dentro da tua ausência? E o caule
negro dos analgésicos por mim acima... que cidade
de areia construída grão a grão aparecerá?
quantas lisboas estão enterradas? ou submersas?
o vento traz-te o aroma dos trópicos
dos tamarindos floridos das avenidas e dos fenos
primaveris das planícies - leva-te no alado ácido
Lisboa (3)
imaginaste um país imóvel devorado pelo sol
e o arrepio do canto espalhou-se pelas ruas
a outro tempo igual
a fundo do restaurante o olhar preso em ti
da dama do charuto - café flor do mundo
encruzilhada onde se dorme frente à europa
apercebida como uma somba que se afunda
nas veias dos arrumadores de carros
imaginaste que em ti permaneceria
esse barulho metálico de continentes abandonados
enfim
ontem foi o último dia
em que consegiste calçar-te - essa guerra
que te deixou por sarar
por um túnel de veludo ensanguentado na cabeça
lisboa (4)
vieste dos desertos africanos onde
semeaste tormentos e filhos negros
enrolaste-te agora no pano ardido do tempo
de lisboa - rasgas em tiras dolorosas o sonho
e tentas navegar pelos sucalcos dos mares
mas a saudade pelos que partiram e agora
se aproximam desta voz - vêem
um império de navios vazios
e tu
sob o sol cruel - perdido de olhar em olhar
jogando a vida contra o sujo casco dos cacilheiros
vagueias
pelos becos da voz perdida - ou um corpo qualquer
para fingir o sono junto ao teu
mas lisboa é feita de fios de sangue
de províncias
de esperas diante dos cafés
de vazio sob um céu plúmbeo que ensombra
os jardins de estátuas partidas
há um pressentimento de sono sem fim
refugias-te num quarto de pensão e dormitas
o dia todo - para que lisboa te esqueça
Al Berto
"Horto de incendio"
miércoles, agosto 30, 2006
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